Os presidenciáveis e o aborto
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Pouca informação e postura eleitoreira dos pré-candidatos à presidência
A poucos meses das eleições 2010, as campanhas dos presidenciáveis começam a ganhar contornos e alguns temas surgem como questões que imprensa e eleitores esperam ver respondidas. Entre os assuntos recorrentes em recentes declarações na mídia de José Serra (PSDB), Dilma Roussef (PT) e Marina Silva (PV), os grandes nomes dessas eleições, o aborto aparece como um problema com o qual o futuro Governo vai ter que lidar de forma mais incisiva.
O que se vê até agora, entretanto, é que os candidatos ainda não têm um discurso muito bem formulado sobre suas posições e parecem tratar o aborto ao mesmo tempo com cautela e falta de preparo e informação, procurando não se aprofundar no debate da descriminalização da prática no Brasil ou nas mudanças do Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH3).
Dilma Roussef suaviza posicionamento
Dilma Roussef, agora preocupada com sua imagem e tentando convencer como uma candidata
carismática, pisa em ovos e suaviza sua posição em relação ao aborto. Em entrevista à revista Marie Claire, no ano passado, Dilma foi clara quando falou do tema como uma questão de saúde pública, usando um dos principais argumentos a favor da descriminalização do aborto no país.
"Abortar não é fácil para mulher alguma. Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização. O aborto é uma questão de saúde pública. Há uma quantidade enorme de mulheres brasileiras que morrem porque tentam abortar em condições precárias. Se a gente tratar o assunto de forma série e respeitosa, evitará toda sorte de preconceitos. Essa é uma questão grave que causa muitos mal-entendidos", disse à edição de setembro de 2009 da revista feminina.
Há duas semanas, a petista titubeou e se colocou de maneira se não equivocada, ao menos "atrapalhada". Questionada sobre o assunto durante uma participação no programa de tevê
"Painel RBS", da emissora TVCOM, do Rio Grande do Sul, Dilma afirmou que "o aborto é uma
violência contra a mulher".
Seria preciso contextualizar a declaração para que fizesse sentido. O aborto pode ser entendido como uma violência contra a mulher se contra sua vontade ou feito em condições precárias e inseguras. Quando a ex-ministra da Casa Civil se refere à saúde pública, deve-se ressaltar que as complicações de abortos malfeitos custam aos cofres do Estado, que acaba arcando com as despesas do atendimento nesses casos. Se comparados aos atendimentos dos casos de violência contra a mulher, que também oneram as contas públicas, até se pode ver o aborto como "uma violência contra a mulher", mas ainda assim seria uma generalização descuidada. Mais descuidado ainda é entender que o aborto não é "uma questão de foro íntimo" e, por isso, "uma política de saúde pública". Pode-se questionar se Dilma Roussef fala em "foro íntimo" e se esquece da questão da autonomia da mulher.
José Serra não pretende mudar legislação atual
O candidato do PSDB e principal adversário de Dilma Roussef, José Serra, também parece, talvez por não ter se debruçado com mais atenção na discussão sobre o aborto no Brasil, não
compreender muito bem o debate e distorce conceitos como a objeção de consciência para dizer o contrário do que dizem os grupos defensores dos direitos sexuais e reprodutivos e de direitos humanos sobre o direito ao aborto.
Em sua passagem pelo Ministério da Saúde no Governo de Fernando Henrique Cardoso, o
ex governador de São Paulo chegou a ser fortemente criticado pelos grupos Pró-Vida por ampliar os serviços de aborto na rede do SUS, mas se diz contrário à descriminalização da
prática e apoia a legislação atual. "Não sou a favor de mexer na legislação, mas qualquer deputado pode fazer isso.
Como Governo, não vou tomar essa iniciativa", disse em entrevista coletiva no canal de tevê SBT, no último dia 12 de maio. Três dias depois, em entrevista à Rede Vida, o candidato, ao
criticar o PNDH3, declarou que o texto referente ao aborto criminalizava quem fosse contra a prática, o que é uma simplificação substantiva do tema e da discussão. "O projeto criminaliza, no fundo, quem é contra o aborto. Há pessoas com posições diferentes (sobre o assunto). Você não pode considerar contrário aos direitos humanos quem é contra o aborto. É inacreditável", comentou.
Sobre o conceito de objeção de consciência, segundo os princípios fundamentais do Código de Ética Médico, "o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar
serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as
situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente" e "no processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas." Ainda de acordo com o código, é um direito do médico "recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência."
Outros códigos de ética, como o de enfermagem, também incorporam o princípio da objeção de consciência como um direito do profissional, mas uma das questões encontradas na literatura sobre o assunto é o limite dessa objeção, que no contexto da obrigação profissional, só é legítima se o trabalho não realizado por um objetor puder ser substituído sem prejuízo.
No raciocínio do pré-candidato tucano, a proposta do PNDH3 de monitorar os serviços de atendimento ao aborto legalmente autorizado e a recomendação ao Legislativo sobre adescriminalização do aborto "abriria espaço para a punição de profissionais de saúde que se recusassem a atender os casos. " Entretanto, a objeção de consciência é um direito garantido ao profissional de saúde, o que não isenta o equipamento público da sua obrigação de oferecer o serviço, através da atuação de outro profissional. Ou seja, descriminalizar o aborto não ofende o princípio da objeção de consciência, muito menos criminaliza quem é contra a prática, mas visa à garantia do acesso a serviço de saúde seguro.
Marina Silva defende plebiscito
Correndo por fora, a pré-candidata do Partido Verde à sucessão presidencial, Marina Silva, aposta na defesa da realização de um plebiscito sobre a descriminalização do aborto no país,
discurso que se tornou comum entre quem não quer se comprometer com o tema, sem dúvida, polêmico. A ex-senadora voltou a defender a ideia no último dia 18 de maio, em Porto Alegre, durante entrevista no "Portal RBS". "Esse assunto não é de fácil solução. Não existe informação suficiente para um tema complexo que envolve aspectos religiosos, filosóficos, éticos e morais. Se temos convergência de que falta o debate, vamos fazer o debate. O que defendo? Um plebiscito", afirmou Marina.
Curiosamente, o jornal Folha de São Paulo da última terça-feira, 25 de maio, em editorial intitulado "O dilema do aborto", tece uma argumentação favorável ao plebiscito e sugere que essa seria "a maneira mais razoável de tomar uma decisão" sobre a descriminalização do aborto no Brasil. O editorial apresenta dados da recente pesquisa sobre o aborto no país realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com a ONG Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, mas o plebiscito ainda soa como o tipo de postura de quem quer parecer se posicionar, sem, no entanto o fazê-lo, procurando, não o posicionamento, mas a isenção.
O cenário hoje e as estratégias para o futuro do debate: princípio da igualdade é fundamental
Em seu Governo, próximo do fim, o presidente Lula, apesar de ser declaradamente contra o aborto, por motivos religiosos, assumiu o tema como um problema a ser encarado pela saúde pública em declarações na imprensa, mas tendeu a ceder às pressões contrárias à descriminalização da prática, principalmente às da Igreja Católica, optando, inclusive, por retroceder na aprovação do texto do PNDH3.
As organizações de defesa dos direitos humanos, do direito à saúde, dos direitos sexuais e reprodutivos e dos direitos das mulheres veem a atual legislação sobre o aborto como
inconstitucional por ferir o princípio da igualdade, um dos pilares da Constituição Brasileira. O princípio da igualdade deveria garantir que todas as mulheres, não apenas algumas, pudessem preservar a saúde e a vida ao realizar um aborto, o que, na prática, não acontece hoje. O período eleitoral dá pistas de como os possíveis novos governos pretendem tratar a questão e o que pode ser feito na busca de novos mecanismos e estratégias de debate para a descriminalização do aborto no Brasil.
Divina Misericordia.org.br
quarta-feira, 2 de junho de 2010
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